HUDSON RODRIGUES

All Rights Reserved ©Hudson Rodrigues

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O fotógrafo paulistano conversa com Retina Latinoamerica sobre seu projeto “Bambas”, uma visão da negritude que transita entre o íntimo e o universal ao longo de uma viagem de auto-descobrimento.


BAMBAS

Quem são os Bambas?

HR: Os Bambas são os negros do mundão, sabe. Os bambas são todos que com as dificuldades ainda conseguem dar a volta. Os bambas são os que recebem o mínimo e fazem o máximo. Os bambas criam com as sobras e inventam o novo!

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Os bambas são todos que com as dificuldades ainda conseguem dar a volta.

Este projeto parece ter surgido de um fluxo espontâneo à partir do seu núcleo familiar e se expandindo circularmente em questões mais amplas a respeito da representação da negritude. Nos conte um pouco mais sobre essa jornada.

HR: Foi bem isso mesmo, em 2017 e 2018 eu estava bem ativo na fotografia de rua documental, nos cantos do mundão que eu sinto alguma conectividade, ao mesmo tempo eu me perguntava muitas coisas sobre o meu processo e as minhas fotos e como amarrar um contexto. Sentia nessa época alguma falta de conectividade, na verdade a conectividade existia e eu não conseguia ver isso! Em 2017 revisitei todo o meu trabalho à procura de coisas inconscientes, eu sabia que as ligações  e as conectividades existiam mas precisava enxergá-las. Então olhando o meu material percebi uma certa fluência em fotos da negritude, que muitas vezes eram lugares que eu frequentava e nesse processo comecei a me ver nas fotos. Depois desse reconhecimento percebi que eu precisava fotografar mais e mergulhar mais em alguns pontos, esses pontos não estavam nada definidos mas eu sentia que precisava me aprofundar mais, e estar mais presentes no meio dos meus, então durante um tempo eu saia para a rua com o propósito de fotografar apenas com o olhar voltado para o projeto.

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Uma das características que mais gosto de seu trabalho é a criação de um momento de cumplicidade entre o fotógrafo e o retratado. Não importa se são pessoas próximas, como familiares, ou encontros furtivos na noite da cidade. Como você trabalha essa relação?

HR: Na verdade eu tento ser eu mesmo da forma mais limpa e direta , não desenvolvi nada e nem penso em nada pra isso acontecer! Acredito que a maior relação está nos olhos, sempre acreditei que a verdade está nos olhos, e com eles que vejo e com eles busco essa conectividade que está nas fotos. Os olhos dos retratados dizem muito, mas os olhos do fotógrafo é o que faz essa conectividade, eu deixo meus olhos conversarem com os olhos da pessoa retratada, em alguns fotografias eu quase choro no momento do registro porque eu tento ao máximo me por ali, e não é muito difícil a realidade deles são a mesma que a minha na maioria das vezes.

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Você cita livros como Subway de Bruce Davidson e Laróyè de Mario Cravo Neto como influências para este projeto. Apesar das afinidades estéticas com seu próprio trabalho, ambos foram feitos por homens brancos que recorreram a seguranças que os acompanharam em certos momentos, indicando uma separação social entre o artista e o tema. Você é muito mais próximo da realidade retratada em Bambas. Essa é uma questão relevante para você?

HR: Até eu conversar com você eu não sabia disso e fiquei espantado ao saber que eles andavam com seguranças, mas não é novidade também. Amo demais todos esses trabalhos e vou continuar gostando mesmo depois de saber disso! Eu sou um BAMBA, não tem essa de próximo não, eu sou um deles! Sim, é uma questão relevante é muito importante e faz muita diferença para quem está sendo retratado. A proximidade do assunto te faz ter uma visão não apenas estética daquilo tudo, você acaba fotografando você mesmo várias vezes em outras pessoas.

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A música é uma inspiração importante no seu trabalho. Você costuma descrever o fazer artístico em termos normalmente associados com a música popular. A fotografia é historicamente elitista, ou era até hoje, quando todos nós temos um celular na mão. Você me fez pensar que a linguagem da música popular é adequada ao mundo democrático da imagem digital. Como você enxerga essa relação?

HR: A fotografia é historicamente elitista e ainda é! Acredito que isso será por um bom tempo ainda, o celular e a fotografia digital mudaram o cenário, mas acredito que ainda vai levar tempo porque as pessoas que estão no topo das instituições, museus e galerias ainda pensam de forma bem antiga e elitista. 
Eu nasci em um meio musical e por ser uma arte que a gente já nasce consumindo acredito que todos tenham um entendimento mais claro, tanto consumidor como artistas. Em um certo momento eu percebi que algumas situações na música me faziam entender melhor a fotografia e como usar algumas analogias ao meu favor, a música é tão inserida na vida das pessoas que a analogia com ela e a fotografia faz um entender mais popular quebrando a linguagem elitista que muitos querem manter na fotografia! As pessoas tem o habito de querer falar intelectualmente para dificultar o entendimento de todos, eu vim de um lugar nada favorecido e sou um homem negro, não gosto disso e sei que isso exclui muitas pessoas! Então quando eu faço analogias entre a fotografia e a música acredito ser um caminho mais claro para todos poderem entender, e isso dá muito certo. 
Uma vez um amigo estava um pouco desanimado, ele tinha mandado um projeto para um concurso, eu não lembro o concurso que era mas ele ficou chateado por não ser selecionado, eu vendo o projeto dele e vendo o concurso era muito nítido pra mim o porquê. Então eu disse: “Cara, o seu projeto é um álbum de rock e você mandou para um rádio que toca HIP HOP, entendeu?” Eu consegui explicar pra ele de uma forma que acho que ele nunca vai esquecer! O importante pra mim era ele entender que o trabalho dele não era ruim! Preste muita atenção nisso o ritmo do seu projeto e a rádio que você está mandando para tocar!

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Acredito que a maior relação está nos olhos, sempre acreditei que a verdade está nos olhos, e com eles que vejo e com eles busco essa conectividade que está nas fotos.

Você trabalhou como designer gráfico antes de migrar para a fotografia e atualmente está se envolvendo em filmagens como diretor de cena. De que forma estas experiências se conectam?

HR: Tudo isso aconteceu de uma forma meio que natural a migração foi tranquila uma área complementa a outra, muitas coisas técnicas que você aprende em uma você pode aplicar em outra que vai funcionar. Hoje como diretor entendo de coisas que eu nem sabia que eu entenderia e isso pela minha formação de designer e a fotografia!
O design me fez entender os espaços, as lacunas, enxergar estéticas que me agradam e o mais importe saber porque aquela estética me agrada, o design me deu um campo espacial infinito onde eu consigo conectar muita coisas da arte, tanto em fotografia como no cinema! A fotografia foi umas das coisas mais prazerosas que eu comecei a fazer depois que eu me formei, eu sentia que eu poderia diagramar as coisas no espaço, solto na gravidade, entende? Eu já fazia isso no design mas era com outros elementos e em uma superfície plana! A fotografia se torna uma superfície plana, mas antes disso ela está jogada em um espaço que precisa ser organizado e pensado! Todas essas atividades se conectam de várias formas!

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Bambas foi uma exposição que teve bastante visibilidade no Brasil em 2018. Muito aconteceu desde então. Como é olhar para esse corpo de trabalho do ponto de vista de hoje?

HR: Bambas sempre será a menina dos meus olhos por ser o trabalho onde eu consegui fazer minha primeira exposição em um lugar de renome no Museu da Imagem e do Som, nunca esquecerei o dia da abertura porque foi o aniversário da minha mãe, muitas coisas marcaram essa exposição! Como foi a minha primeira exposição me faltam parâmetros para dizer sobre a “visibilidade”. Mas teve o seu papel que eu gostaria que tivesse e isso foi o mais importante, conseguir levar pessoas negras que nunca foram no MIS, isso já foi uma vitória pra mim! Hoje eu olho para o trabalho e dou aquele suspiro, sinto ele tão vivo quanto antes, ele vai me acompanhar pela minha vida inteira, algo que só vai terminar quando eu acabar!

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